Luanda – A recente aposta do Governo em ceder grandes extensões de terra a investidores estrangeiros reacendeu um debate crucial sobre o futuro da agricultura em Angola. Apresentada como uma solução para atrair capital, modernizar a produção e combater a dependência alimentar, a medida é vista por muitos como um passo necessário. Contudo, vozes da sociedade civil e do empresariado nacional questionam: onde ficam os angolanos neste processo?A agricultura tem sido, há décadas, apontada como a “galinha dos ovos de ouro” para a diversificação económica, mas os resultados práticos tardam em aparecer. Nesse sentido, a decisão de atrair investimento externo é bem-vinda, pois promete injetar a tecnologia, o conhecimento e o capital que o setor tanto necessita. O objetivo é claro: transformar o discurso em produção real e, finalmente, concretizar o sonho de autossuficiência.No entanto, a iniciativa levanta uma questão incontornável de equidade e estratégia. A terra não é apenas um fator de produção; é um bem soberano, intrinsecamente ligado à segurança alimentar e à inclusão social das comunidades. Ao abrir as portas ao capital estrangeiro, o Estado é desafiado a garantir que os cidadãos nacionais não se tornem meros espectadores no desenvolvimento do seu próprio país.O cerne da preocupação reside na gritante assimetria de oportunidades. Enquanto investidores estrangeiros encontram um ambiente de negócios com incentivos e “passadeira vermelha”, os agricultores e empresários angolanos continuam a esbarrar em obstáculos extremos: uma burocracia sufocante, acesso quase nulo a financiamento e um apoio técnico insuficiente. “O problema não é rejeitar o investimento externo, que é de extrema importância. O problema é a desigualdade de condições”, afirma um economista ouvido pela nossa reportagem.O risco, alertam os especialistas, é a criação de um setor agrícola a “duas velocidades”. De um lado, uma agricultura moderna, mecanizada e altamente lucrativa, controlada por capitais externos. Do outro, uma agricultura de subsistência, praticada por nacionais, abandonada à própria sorte e incapaz de competir. Um modelo como este, defendem, não é sustentável, justo, nem garante a verdadeira soberania alimentar.Para que a aposta na agricultura seja bem-sucedida, é fundamental que o Estado crie um ecossistema onde os nacionais tenham acesso aos mesmos incentivos, financiamento e apoio técnico oferecidos aos estrangeiros. Só assim será possível garantir que o crescimento do campo se traduza em desenvolvimento inclusivo para todos os angolanos.
