Luanda, Angola – A história recente de Angola, marcada pela ambição de se tornar uma potência energética autossuficiente, é contada através de dois projetos monumentais: as refinarias de Cabinda e do Lobito. Concebidas na mesma era e sob a influência da mesma gigante da construção, a brasileira Odebrecht (hoje rebatizada como OEC), as suas trajetórias divergentes funcionam como um raio-x de um sistema de corrupção endémico e das suas consequências duradouras. A adjudicação destes projetos, feita à margem de concursos públicos transparentes, não foi uma falha processual, mas a engrenagem central de um esquema de captura do Estado que enriqueceu elites em detrimento do erário público.
Fontes ligadas à Operação Lava Jato e confissões da própria empresa revelam um modus operandi claro: a Odebrecht pagou, ao longo de anos, mais de 788 milhões de dólares em subornos a altos funcionários do governo angolano. Em troca, era recompensada com contratos de milhares de milhões de dólares para as maiores obras de infraestrutura do país, financiadas em grande parte por linhas de crédito do banco de fomento brasileiro, o BNDES. Neste ambiente, a concorrência era uma farsa; a adjudicação direta era a regra.
Foi neste contexto que a Odebrecht/OEC se posicionou como a construtora natural para as refinarias estratégicas, projetos vitais para um país que, paradoxalmente, exporta petróleo bruto e importa combustíveis caros.
Refinaria de Cabinda: O Resgate de um Projeto Nascido na Opacidade
O projeto da refinaria de Cabinda, com capacidade para 60.000 barris por dia, foi inicialmente desenhado dentro deste paradigma de favorecimento. Em 2021, a OEC foi formalmente “convidada” para liderar a sua montagem, um movimento que marcou o seu “ressurgimento” no mercado angolano sob uma nova identidade, mas com práticas que ecoavam o passado.
Contudo, a mudança de poder em Angola, com a presidência de João Lourenço e a sua declarada campanha anti-corrupção, alterou o destino do projeto. O modelo original, dependente de relações opacas, tornou-se insustentável. O governo angolano forçou uma reestruturação profunda: o controlo acionista passou para um consórcio liderado pela Gemcorp, uma gestora de ativos financeiros, e pela Sonangol, a petrolífera estatal, que assumiu grande parte do encargo financeiro.
A OEC não foi totalmente afastada; manteve-se como a empreiteira responsável pela construção. Esta decisão pragmática permitiu que o projeto avançasse, culminando na inauguração da sua primeira fase em 2025. Cabinda tornou-se, assim, um símbolo híbrido: um projeto nascido de um sistema corrupto, mas resgatado e reconfigurado para servir, finalmente, o interesse nacional. No entanto, a sua origem, sem concurso público e com parceiros escolhidos a dedo, deixa uma mancha indelével e questionamentos sobre os custos reais que foram internalizados pelo Estado angolano.
Refinaria do Lobito: O “Elefante Branco” Deixado pelo Esquema
Se Cabinda representa uma redenção parcial, a Refinaria do Lobito é o monumento ao fracasso do mesmo sistema. Projetada para ser a maior do país, com capacidade para 200.000 barris diários, a sua história é uma crónica de promessas vazias e paralisia.
Assim como em Cabinda, a Odebrecht estava intrinsecamente ligada à sua concepção inicial. No entanto, com o colapso do esquema da Lava Jato e o fim do financiamento fácil do BNDES, o castelo de cartas ruiu. Sem a lubrificação das propinas e dos contratos sobrepreçados para garantir a sua viabilidade para os corruptos e corruptores, o projeto gigante tornou-se um “elefante branco”, um esqueleto abandonado na paisagem de Benguela.
A estagnação foi tal que, em outubro de 2023, o governo angolano foi forçado a recomeçar do zero, assinando um novo contrato de construção com a empresa chinesa CNCEC. Este ato foi um reconhecimento tácito de que o arranjo original, concebido sob a égide da Odebrecht, estava morto e enterrado, vítima da sua própria fundação corrupta. O custo para Angola foi imenso: décadas de atraso na sua independência de refinação e milhares de milhões de dólares em potencial económico perdidos.
Conclusão: Duas Faces da Mesma Moeda
As refinarias de Cabinda e Lobito são as duas faces da mesma moeda de corrupção. Ambas foram concebidas através de contratos sem transparência, um mecanismo que permitia inflacionar custos e desviar fundos públicos. A diferença nos seus destinos revela mais sobre a conjuntura política e a viabilidade de “remendar” um projeto do que sobre a integridade da sua origem.
Enquanto Cabinda opera, a sua existência não apaga o facto de que o seu caminho foi pavimentado com as práticas que quase levaram Angola à ruína financeira. O Lobito, por sua vez, serve como um lembrete sombrio e dispendioso do custo real da corrupção: o progresso adiado e o desenvolvimento sacrificado no altar de interesses privados.
